A Eucaristia é um encontro de
caminhos. Caminhos são processos, processos de vida. A Eucaristia é a Vida, é o
Caminho, o caminho da gratuidade da liberdade do amor. A Eucaristia é encontro
e fonte, fonte e encontro, nascente de caminhos e encontro de caminhos.
O Caminho da Palavra: A Liberdade
As palavras nascem no interior
de cada pessoa. Tornamo-nos “pessoa” na medida em que vamos dando “nome” às
coisas. (É muito importante perceber que a pessoa torna-se livre na medida em
que vai sabendo dizer o que sente, quem é, quem são os outros, como são as suas
relações). As palavras constituem a nossa identidade e são reveladoras da nossa
identidade. “A boca fala da abundância do coração”. As palavras são livres,
leves, ninguém prende as palavras que são ditas. As palavras significam o
sentido da nossa vida, nossa disposição, nossa abertura, nossa fé, nossa
esperança, nosso jeito de caminhar, nossos encontros e desencontros. As
palavras fazem coisas, são operativas. Produzem bênção, maldição, alegria e
tristeza, unem e separam, constroem e destroem. Propagam-se nas ondas do
espaço
e chegam aos confins da terra. A maior característica das palavras é a
liberdade. Por isso, as palavras são criadoras, inovadoras, novas, todas as palavras
são sinal de esperança. Quando falamos é porque esperamos, confiamos,
acreditamos, mesmo que as nossas palavras sejam de desencanto, de dor, de
depressão. Quando deixamos de falar com alguém, quando “cortamos a palavra” é a
mesma coisa que dizer “esta pessoa deixou de existir”, é a mesma coisa que
cortar o ser, negar o ser. Se numa casa, uma pessoa deixa de falar com as
outras, “cortou a palavra”, essa casa vira um inferno. As palavras são radicais
na expressão do nosso ser.
Na Eucaristia dá-se o encontro
da Palavra, Palavra de Deus. A Palavra sai do interior de Deus, é Deus. Deus se
revela para nós. Nosso ser de palavras, comunga a Palavra de Deus. Nossos
ouvidos escutam, o coração ama, o nosso ser se encontra no ser de Deus. A
Palavra de Deus nos cria, nos gera, nos faz. Aprendemos a dar nome às coisas
através da Palavra fonte. Ela ilumina o nosso ser, nos revela o nosso ser e o
ser do universo. A Palavra de Deus é livre, percorre os corações e a criação
inteira. Vem e volta como o vento, sem cessar. “No princípio era a Palavra e
Nela tudo foi criado”. Como a chuva, a Palavra não deixa de produzir efeito.
Somos intimamente gerados, em nosso interior, pela presença da palavra, que nos
ensina a dizer palavras, comunhão da Palavra de Deus. A Palavra é a liberdade
de Deus. É o próprio Jesus. É Deus presente no nosso ser até à medula dos
nossos ossos e no interior do nosso espírito. A Palavra tem a liberdade do
Cristo ressuscitado, ardendo no coração da vida.
Cada pessoa foi criada na
Palavra, pela Palavra. Cada pessoa é uma palavra. Ao longo da vida descobrimos
a palavra que somos, nossa essência, e nos tornamos Palavra. No meio de tantas
palavras, somos uma palavra.
Jesus, Palavra de Deus, é a
Palavra original, única, criadora. Na Eucaristia celebramos a liberdade da
Palavra livre. Ninguém amarra a Palavra, a Palavra criadora e libertadora.
O Caminho do Pão: A Entrega
O caminho do pão começa nas
sementes que morrem, lançadas na terra pela mão do
semeador ou pela gratuidade
da vida, no sol, na chuva, no vento. Nascem as plantas, crescem as espigas e
amadurecem cheias de grãos que são moídos e amassados, para se tornarem pão no
calor do forno. O povo se alimenta na comunhão da mesa, na amizade, na união,
na partilha, na festa da mesa, na alegria da mesa.
A maior característica do pão
é a entrega, entrega generosa que começa na morte da semente e se consuma na
morte dos grãos que se fazem vida de maneira nova, pão, martírio. O processo do
pão é a entrega generosa até ao aniquilamento de onde nasce uma realidade nova.
Os grãos não se tornaram semente, mas transformaram-se em pão. O pão transforma-se
em vida humana, em sangue, em alegria, em carne, em energia.
O caminho do vinho é
semelhante ao caminho do pão. Muitos cachos de uva são esmagados. Durante
alguns dias são fermentados no calor da transformação, para que possamos beber
o vinho saboroso da entrega generosa da vida. A maior característica do pão e
do vinho é a entrega, a doação generosa de si mesmos, até ao desaparecimento.
Como não perceber a entrega generosa de Jesus,
na sua paixão e morte, doando-se a si mesmo, todo o seu ser, até ao último
suspiro? “Isto é o meu corpo”; “Isto é o meu sangue, entregue por vós”. O
caminho da entrega está no nosso caminho, no processo de maturação de nossa
vida. Paradoxalmente, da entrega e do desaparecimento nasce a alegria, porque a
entrega de Jesus é uma entrega livre de amor, a concretização de uma relação
nova, de uma aliança nova, em que a totalidade de Deus se encontra na
totalidade do humano. Na entrega do pão, percebemos a transformação em Deus,
por Deus. É uma entrega que vale a pena ser feita, pois o desaparecimento
equivale à transformação em Deus. Nasce a alegria porque acontece um momento
maravilhoso, magnífico de amor. A capacidade da entrega total de Jesus vem do
fato de Jesus ser Deus. Apenas Deus consegue se doar na sua totalidade ao outro,
ao humano. A comunhão do próprio Deus, em Jesus, transborda de Graça. Esse amor
transbordante, realizado, gera a comunidade de irmãos, como corpo do Senhor, do
próprio Jesus. É de verdade uma humanidade nova que nasce da Eucaristia. Jesus morre na nossa terra para entrar em
comunhão conosco, para que saboreemos o ser de Deus em nosso ser, dom do Amor e
da Liberdade do nosso Deus.
O Caminho da Vida: A Partilha
Coisa grande é a partilha.
Está tão presente em nossa vida que, na maior parte das vezes, nem percebemos.
Fomos gerados pela partilha de alguém. Nascemos, crescemos, alimentados e
educados, cuidados, porque alguém se partilhou, nossos pais e tantas pessoas
que ao longo de nossa vida, repartiram seus dons conosco. Vamos lá, bem no
fundo de nós mesmos, buscar a essência da partilha. Saboreamos nossa vida como
partilha que se tornou vida em nossa carne, ser na comunhão do nosso ser.
Partilha de palavras, partilha de afetos, partilha de canseiras, partilha de
ideais, partilha de amor, de trabalho, partilha de valores, partilha de fé,
partilha de bens materiais, partilha de objetivos, de sentido da vida, partilha
de saber. No fundo do nosso ser reside um lastro de comunhão que se faz da
partilha de tantos bens. Nossa essência e nossa verdade é ser partilha.
A verdade do ser reside na
partilha. Ninguém nasce de si mesmo, fomos partilhados, oferecidos, fruto de
partilha. Quando, ao longo da vida, nos fechamos à partilha, saímos de nossa
verdade. Somos enquanto nos partilhamos. De muitos meios, alimentamos a vida e
participamos da comunhão da grande refeição que é o universo. A palavra
partilha define a vida do universo.
Uma palavra reúne as riquezas
da Eucaristia, a palavra partilha. No início da Igreja a Eucaristia chamava-se
“fração do pão”, “partir do pão”, e era celebrada no contexto de uma refeição
partilhada. A Eucaristia é a partilha de Deus, no ser de Jesus partilhado. A
partilha de Jesus redime o universo. A partilha é redentora. A partilha é o
caminho da vida do Universo. Comunhão e partilha estão juntas: só comunga quem
partilha e só partilha quem comunga. O segredo da comunhão reside na partilha.
O
Caminho da Comunidade: Eucaristia
A
Comunidade Cristã é um organismo vivo. É um encontro de processos. Pessoas
novas e
pessoas mais maduras, pessoas generosas que doam sua vida e pessoas
fechadas e oprimidas, pessoas amantes da liberdade e da libertação. A
Comunidade Cristã é Eucaristia. É partilha, sustenta-se na partilha, faz-se da
partilha. Tantos dons e serviços são partilhados, tanta vida é celebrada como
partilha redentora: “vinde benditos de meu pai, porque tive fome e vós
destes-me de comer”.
Também na
Comunidade Cristã percebemos a força da Palavra e a força da entrega do Pão.
Percebemos o sonho, os ideais de superação, de transformação, a alegria e a
esperança, a energia da criatividade. Percebemos também a entrega de tantos
irmãos e irmãs que entregam sua vida, conscientemente, generosamente. O
processo da liberdade é representado, sobretudo, pelos jovens. Eles encarnam o
desejo do novo, a insatisfação, o desejo da nova terra. Os adultos representam,
sobretudo, a entrega, o dar a vida, o compromisso. Liberdade e entrega formam a
Comunidade, garantem a vida da Comunidade.
Na
Eucaristia celebramos a Palavra livre que foi crucificada, o Jesus que se
entrega na liberdade do seu amor. Constantemente, a Palavra da Liberdade é
crucificada nos caminhos da História, a justiça, a igualdade, a beleza, a
bondade, a verdade, são assassinadas.
Amor e
Liberdade constituem a beleza e a riqueza da Eucaristia. A Comunidade Cristã
tem a força da Palavra sonhadora e livre. E tem a força da entrega do pão, do
Cristo vivo que doa sua vida por amor, no amor do Pai e do Espírito, amor para
nós, por nós.
Partilhados
somos, únicos, pelo amor e pela liberdade que vivemos, liberdade que se entrega
e amor que permanece livre, amor transformador.
O
Caminho da Presença: O Amor-Serviço
A
Eucaristia foi instituída por Jesus, como memorial de sua paixão, morte e
ressurreição, “Isto é o meu corpo”; “Isto é o meu sangue”. Jesus permanece na
nossa História como presença real, concreta, salvadora “fazei isto em memória
de mim”.
Na Ceia do lava-pés, Jesus institui o amor-serviço como dinamismo eucarístico, caminho de salvação e libertação.
Na Ceia do lava-pés, Jesus institui o amor-serviço como dinamismo eucarístico, caminho de salvação e libertação.
Como Filho
de Deus, Jesus tem a condição de se fazer servo e de servir; na liberdade de
ser o Filho Amado, faz-se dom total para a Criação do Pai. O amor-serviço é o dom especial que os filhos amados de Deus assumem como
vida eucarística. A celebração da Eucaristia nos conduz à aprendizagem da liberdade
do serviço, da gratuidade do serviço, como dignidade nossa de ser filhos e
filhas queridos de Deus. Servimos porque nos sentimos filhos muito amados.
O
Caminho da Vida: A Transformação
Os
processos celebrados na Eucaristia nos levam ao caminho da transformação:
morte-ressurreição; opressão-libertação; pão-corpo de Cristo; vinho-sangue de
Cristo; o maior
serve o menor; ganhar a vida é perder-se; a liberdade
transforma-se em entrega e serviço. O
caminho da Humanidade livre e solidária, feliz, é o caminho da transformação:
morte-vida.
À luz da
Eucaristia, percebemos os enganos da Humanidade, a escravidão, a imoralidade, o
sem sentido de muitos caminhos humanos, caminhos de destruição da vida,
caminhos indignos da liberdade que nos é dada. Sofrida e escrava, a Humanidade
se libertará pela transformação que Deus oferece, assumindo os caminhos da
Eucaristia, caminhos da Vida em abundância, caminhos da libertação.
Na morte
de Jesus, a liberdade foi crucificada e morta, mas ressuscitou pela força do
Amor. O Amor é o segredo da Transformação. A Eucaristia é a festa das relações,
no amor. O universo anseia por esta festa, onde todos celebrem a reconciliação,
no amor, pelo amor, com o amor. Quando fazemos a experiência de ser filhos de
Deus, sentimos que tudo é nosso e nada é nosso, tudo é de Deus. Isto é a Liberdade, a reconciliação em
Cristo. Somos irmãos de tudo, da Criação inteira, Amigos da Vida e todos de
Deus.
Pe. Zé
Luís
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